E “sobre o angustiante vazio do excesso”.
O tema em questão se refere a uma peça teatral em cartaz por dois dias na capital mineira, em setembro. As sensações, no entanto, permanecem tão frescas quanto no momento em que saí do teatro. Queria ter escrito há mais tempo, mas é o tipo de texto que pede dedicação. Por isso, ficou pendente.
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Imagine uma peça em que a protagonista inicia sua apresentação dizendo: “Eu sou uma putinha. Daquelas mais insuportáveis, da pior espécie. Meu credo: ‘Seja bela e consumista’.” Pois é… Há um mês, vi Bárbara Paz interpretar com maestria a jovem Hell, personagem principal do livro de Lolita Pillé, adaptado para o teatro por Hector Babenco.
Hell, uma rica parisiense, é consumista, alcoólatra e cocainômana. Durante mais ou menos uma hora e meia, a jovem apresenta a rotina de uma vida regada a luxo, excessos e desamor, ora com soberba, ora com deboche.
A consciência corporal de Bárbara Paz, que troca de roupa incontáveis vezes, a trilha sonora, as projeções de luz e toda a atmosfera criada facilitaram a imersão naquele universo. E o fato da história toda se passar em Paris e abordar uma realidade distante da minha não evitou que eu me sentisse estapeada. “Acabei de fazer um aborto. Estou usando camisa Saint Laurent e calça Céline”. “Vou almoçar com meus pais. Estou usando Chanel”. Impossível não fazer uma relação de valores e pensar na legião de deslumbrados que alimenta o mercado de luxo e afins em qualquer lugar do mundo.
De tudo que vi, tocou-me a consistente reflexão a respeito daquilo em que as pessoas e as relações estão se transformando. Em qualquer lugar, o que se observa é uma preocupação excessiva com a embalagem e um tremendo descaso com a essência. Muitos exageros e um vazio cada vez mais impreenchível. O que usamos se sobrepõe ao que fazemos e/ou sentimos.
“ Enquanto houver um raio de sol na Avenida Montaigne, ainda haverá esperança de felicidade.” Hell
Ao mesmo tempo, seja qual for a nossa conta bancária, somos cheios de buracos existenciais que não se ocupam com qualquer coisa. A gente compra, come chocolate, toma café, conversa, ouve música, acende incenso, faz spinninge, terapia e, mesmo assim, há dias em que nada nos tira do automático. Família saudável, geladeira cheia, amigos lindos, armário cheio, estante cheia, carro, casa, sapato. Tudo isso, de repente, vira nada. E quando paramos para pensar, envolvemo-nos em questionamentos sobre qual o sentido da vida.
“Eu não sou nada” Hell
Em determinado momento, Hell se envolve com o playboy Andrea, interpretado por Ricardo Tozzi. E aí vem outra bofetada. As relações conturbadas, os jogos entre as pessoas, o dito pelo não dito… Uma sensação de que estamos em barcos parecidos. O que importa, afinal? O amor tão descartável quanto a bolsa Prada.
Pensei e penso muito nessas questões. Eis a justificativa para a inquietação com a peça, já que, em tempos de consumo desenfreado, Hell representa não apenas o estilo de vida de uma parisiense rica, mas aquilo que há de mais infernal e vazio em cada um de nós.
Santas bofetadas! Quero ler o livro!
*As citações fazem parte do que está na memória. Pode variar uma marca ou outra. As imagens são reproduzidas.
De bônus, a música linda de abertura.